domingo, 23 de outubro de 2011

A Flor e o Bumbá

 A Flor e o Bumbá
À amiga Ana Barroso
Ars a todo vapor e núvem


Ah... a profusão de cores
Os brincantes se refazem
Entrecosturando-se
Para sempre amém!
 
Amem...
 
A quem flor e a quem pense

Derramem-se nas fitas
Por infindáveis segundinhos
Pois, enquanto fitam
Enquanto nos encandeiam
De retalhos e vitrais

Avisto e guardo em mim!

Para sempre, amém!

domingo, 2 de outubro de 2011

Cordel de santo

Iara Assessú

Há muito crivo
Há muito, tempo
Quando o desvio resolve se atirar

Há muito, alivio
Seus braços, conga
Seu olho ensina como respirar

Como espinho em pé de realeza
Mesmo a incerteza não para de andar
Quando seus olhos se viram de horizonte

É mar de monte a cor do pesar
Quando o crioulo do pé pisa a noite
Pesa e reversa o triste, andar

Mesmo que o verso embebede a noite
A sede conversa na boca do olhar

Há muito ando
Há muito espinho
E mesmo os pés espinham, se não há

Há muito, arrego
Seu gosto canto
Cordel de santo escreve o que olhar

Aí, viagem... aí, chuva ligeira
A janela é porta de voar
O vôo é passo de horizonte
 
É mar de ponte a cor, teu olhar

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Ao pó    
(poema musicado por Daniel Oliveira)



É...

Nem pêra sobre a mesa
Nem fotografia antiga
Nem barriga, nem curva
Nem turma, nem pressa

Refinaria, represa, uva
Esquina, garrafa de vinho
Livro, janela, dançarina
Cortina, goela, chuva

Nem pedra, nem pecado
Nenhum cuidado na pele
Nem perto demais pro olhar
Nem perdas, nenhum bocado

Vidro, perfume, vela, pavio
Lírio, desvio, lume, navio
Vício, loucura, luto, labuta
Cristo, silêncio, fome, fartura

Nem sede sobre o pote
Nem caligrafia, nem arte
Nem putaria, prenda, dote
Nem monte, Vênus, Marte

Saveiro, veleiro, canoa
Copo de loa, tempo de bote
Mote, peito, cara, coroa
Corpo celeste, faca de corte

Nem mote, nem verde abacate
Nem glote, pó, língua, biscate
Não corra mais do que o pé
Partir, não é mais do que é.


Geslaney Brito

quinta-feira, 15 de setembro de 2011


Cool

Lá no finalzinho
Da ponta do cabelo
Do seu cabelo enroladinho
É que sinto o fio
O fio em seu estado
Mais crescente
Um riso começando
Novamente
Onde termina o pensamento
E começa o entrelaço
Rastro de palavras
Na ponta do cabelo
As dunas do camelo
O novelo em formação
O fogão de lenha
E a taça de vinho
Vinho de ervilha
Vinho de cachaça
Ponto de equilíbrio
Comecinho de outra noite
Novamente
Outro riso e seu estado
Cócegas
Enroladinhas nos dedos
Entre peles e linhas
Na vinha cultivada
Lá no começo do seu cabelo...
            Creio que caibo por lá!


(Geslaney Brito)
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Soprando


Varanda a todo vapor
No topo da tarde vermelha
Telhas estalam sozinhas

                                        
                                        Ninguém na cozinha. Fumaça!
                                        A solidão tem certa graça
                                        E certo sabor de sem cheiro


Palavras com jeito de ontem
"Tudo passa", tudo pássaros
Cantam em tom de ruído

                                        
                                        Algumas paredes que afinam
                                        E se adentram num portal
                                        Coral de tijolo e de pedra


A espera tem gosto de noite
Tem cor de poema chegando
E provável loa de absinto


                                        Nada é extinto na idéia
                                        Velha, varanda ou pedra
                                        Quase riacho, quase calmo


Uns palmos para balanço
Balanço de rede, de dança
Avanço em sentido de estrela


                                        Nunca estóico, nunca só
                                        Estrada "de cor", de canto
                                        Canto de curva - viola


Hora também decorada
Entre a florada de maio
E o raio da chuva febril


                                        Como o "cio da terra"
                                        Como a imagem do pó
                                        - Nada melhor que varanda


Varrendo pra todo lado
Fardo e arrebento
Cimento e farpado


                                        Quando vento tem fado
                                        Bocado de seca e de rio
                                        Frio soprado de junho


Junto ao sopapo do amor
Nada melhor que a tarde
Com um balde de sombra


                                        E sobras do livro do dia
                                        Qualquer dia de verve, serve
                                        Bem como, dia de sorvete
                                        (de tamarindo e arrepio)


Varanda à toda tarde
Em direção à estrela
Vermelha-azul-de prata


                                        Participando-nos...
                                        Ela, quando criança
                                        Rodopiava como nozes


Às voltas com paredes
Pregos, cruzes e quasares
Às voltas com quases


                                        Varando algum cuscuz
                                        De milho e tardezinha
                                        Varando essa manhãzinha
                                        (que já passou de areia)


Tarde a todo vapor
Um sol vermelho nunca
Como sempre e sempre


                                        Balanceando a paixão
                                        Um chão de quase nada
                                        Fada da pedra do isqueiro


Esquina dos sem teto
Esgrima sem espada
Escada de nenhum lugar


                                        Um mar vermelho sol
                                        Uma varanda de astecas
                                        Um asterisco no poema


Palavras de varanda
Ciranda, cirandinha
Vamos todos, todos juncos


                                        Uma canção feita de Nilo
                                        E de profetas Daniéis
                                        Que não foram sequer dados


Como encontrados
Nem com os anéis
Tampouco com os dedos


                                        Um sol aos quilos
                                        Uma varanda sem medo
                                        Mesmo que você demore
                                        (mais que a lágrima...)


Espero a todo vapor
Cavando umas palavras
Valendo-me de sombra



(Geslaney Brito)

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Poesia de Saci

 Pro Saci

Tá vindo...
Ué! Passou.
Poesia é assim
Ninguém pega
Quando ela não quer
Mesmo querendo
Igual relento
O pé de vento
Do Saci

Lá vem outra
Rodando e fechada
Como ostra
Nunca vai se abrir
Deixa passar
Que vem outra
O pé de vento
Do Saci

Poesia é assim
Ninguém coisa
Só o lindo
Sem fantasia
Vindo outra
Com muita rima
Deixa ela
Se reinventar
Saci

Tá vendo
O que passou?
É passarada
Ninguém pega
Ficavoando...
Ritmo de asa
Piquesconde
Palavra
De Saci


Geslaney Brito

Venda feita de prosa


Ao amigo Reginaldo Bello
E eu quero falar uma lôa
Depois, tomar uma pinga
Jogar a parte do santo
Fazer parte do samba
Do que se faz no balcão
Fazer a careta de sempre
Imitar o grito da feira
Inventar uma letra qualquer
Entender o processo da lua
O porquê que nascemos aqui
Nessa ciranda das horas
Que levantam o pó da esquina
E revelam o peso do ombro
No tempo que roda a ciranda
Eu quero cantar um aboio
De conduzir minha cabeça
Largar uma dose de rima
Sem rimar palavra com outra
Quero dançar num abraço
O "mais grande" do mundo
Que os amigos descrevem
Quando nos presenteiam
Quando nos encanoam
Dos beirais São Francisco
Dos sombrais das varandas
Das palhas e palhas do sol
Com poesia de saudar e salvar
Um brinde à barca dos homens
Quero beber desses dias
Que se passam nos balcões
Das vendinhas de duas portas
Dessas que nos realinham
No som da garrafa e da goela
E nas coisas dependuradas
Lá onde as curvas ventilam
E recompõem nossa força
Pra nossa dor não doer
Mais que a que sentimos
Quero brindar ao Pessoa
Lá pelas frestas da arte
Essa que aproxima de nós
Na medida em que deixamos
A arte descer goela abaixo
Feito rio, trabalho, fumaça
Feito essa graça de todo dia...
De entender os desenhos
Que as nuvens descrevem
Enquanto aguardamos a noite
Pra inventar alguma canção
De cinqüenta frases e pedras


Geslaney Brito



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Engenho


                                                                  (Ao amigo Tatá)

Engenho novo engendra outros...
Empenho-me em compreender os novos
Novo dia, nova invenção, novo ovo
Porção de tempo maturando-nos
Somos como hera, eu quase sei
Quase sei do mecanismo que passa
Sem os arranhos, sem as ferrugens
Não se aplica às engrenagens
Não é o tempo capital - esse que range
É o tempo do tempo que pássaro
Que asa sem pressa, sem comprimir
Vai querendo ir e ri dos que vão correndo
Corre sem se aleijar dos joelhos
Enquanto isso a cidade se pica
Pica-se de crescimento sem vôos
Sem ver as cacundas do entorno
Sem ver quem coaduna com praça
Periferia que engendra existência
Relógio sem pilhas, radinho de venda
Balcão e trabalho e passado e quereres
Um tempo que passa sem o dinheiro
Novo dia, nova ilusão, novo ovo
Novo engenho; estar muito mais justo
Uma essência dos povos antigos
De estar de estrela e mais juntos
Somos como barcos, eu quase sei
Somos barcos que somamos
Os que vão sem a pressa da bolsa
Mesmo levando de um lado pro outro
Os ombros que a tudo constroem
E o tempo do tempo dos pássaros
Vai rodeando, enquanto sonhamos
Somente enquanto sonhamos... 


Geslaney Brito




sexta-feira, 2 de setembro de 2011

DO CHEIRO
(Iara Assessú)


A sensibilidade que explode os poros
Exala um perfume de calma infância
                                  Alma infância passadista

Louca como a mão certa
Larga como a mãe gorda
                                 Que pouco faz do mundo

Mesmo quando ainda carrega...
A magoa do tempo é pouco
                                 Um pouco que se sucede

Dentro de uma força tão bruta e lilás
Que só faz parar o mundo pra gritar
                                 Aos vagabundos que nascem

Como trevo de três folhas, não secam no caderno...
Se reproduzem numa eternidade qualquer
                                Escalando as paredes da casa

Com suas almas passageiras
Aguardam o momento de se adentrarem no pipoco...
                                Infância tem cheiro de lápis de cor!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Poesia Brocada
(Iara Assessú)

Não gosto de poesia pronta.
Gosto de poesia cheia
De versinhos e in-versões
De pele enrugada e areia
Gosto de poesia torta
Porta, parede e meia
Meio tonta e descarada
Grudada num chão rachado
Estado de suor alheio
Debaixo do seio ou do braço.
Não gosto de poesia pronta.
Gosto de  poesia bichada
Coisada e obscena
Cena de praça  e mão no olho
Filme estérico sem graça
De amor mal interpretado
Gosto de poesia bocada
Sem termo, gasto ou corda
De prosa bem esquentada,
De ontem e nada forçado
Não gosto de poesia pronta.
Gosto de poesia foda
De flor, aceno e pigarro.
De cigarro comprado no posto
De poesia pronta, não gosto.
De poesia pronta, não pasto.
Não gosto de poesia fada
Gosto de poesia  brocada.


Genealogia


Queria ter outra árvore dessa em meu quintal
Se não no meu quintal, que fosse no teu
Ou que fosse no mesmo caminho da tua casa
Ou que fosse na praça mais próxima dali
Interessa saber é que fosse uma árvore
Interessa saber é que estivesse próxima
E que atrapalhasse o progresso
Que agasalhasse com suas folhagens
Todas as chuvas, todos dezembros, todo solzinho
Todos os pensamentos e ninhos, todo avozinho

Queria mesmo era que fosse de fruta e tronco
Podia ser estro, podia ser grito, podia ser canto
Podia ser um dedilhado de cordas trocadas
Mas que tivesse galhos, gritos, crivos, sombras
Mas que tivesse falha, gruta, graça, crianças
E que arremessasse o pouco afeto
Que se apresentasse mesmo, como árvore
Todas as folhas, todos os Maios, toda florada
Toda meada, toda solidão em meias palavras

Queria mesmo era nos dedicar qualquer sombra
Que fosse do tempo em que havia sorriso
Se não dos quintais, que fosse da rua que fosse
Se não da rua, que fosse da praça que fosse
Mas que tivesse árvore, gente, gomos e banjos
Mas que tivesse vozes, coros, cores, arpejos
E que arredasse daqui pra longe
E que jogasse pra longe o aziago
Aquele de coisa pronta e acabada que nos forçam
Aquele que de tanta falta de raiz, não se reinventa

Queria a pimenta que cala e canta quando preciso
A amêndoa de caldo na boca e o fundo do mantra
E mais os quintais coletivos, com cara de praça e pipoca



Geslaney Brito

Desamarração
                         

Tem hora que dá pra ver
Azul-laranja em gomos
Somos a fumaça do olhar

Crepita um sonho ave
Vexame é não ter asa
A Nasa não conhece o mar

Azar desses foguetes
Tão bonitos, sumidouros
Tão precisados de cardume

Que se desnude a roupa
Branca, total e radiante
Antes que o céu nos fume

Têm horas bem diamantes
No estágio mais carvão
Ilusão é coisa acreditada

Crepita e arranha, o grão
Vez em sempre ele eclode
E sacode a terra ávida

Azar dessa ciência
Tão bonita e sumidoura
Tão precisada de crisálida

Que se enxerguem a nós
E ao simples que se desamarra
Desarmando-se, simplesmente

                                                           Geslaney Brito

sábado, 6 de agosto de 2011

À Praça

À Iara Assessú

Certa vez, eu disse:
Não me lembro qual vez
Sequer lembro o que disse
Pode ter sido há um mês
Ter dito a boca de Eunice
Sei que falei o que na hora li
Lira, litro, lívido, enciclopédia
Tudo pedia para que eu dissesse
Barulho, zoada, onomatopéia
Sem hematoma na língua, eu disse

O que eu disse, desapareceu
Foi tomar café no Café Nice
Foi sentir saudades no Liceu
Listou, legou, lidou, amanheceu
Mas o que eu disse certa vez
Não foi em árabe ou libanês
Foi o que eu tive n’aquela hora
Uma casa, um elefante, uma amora
Um sorriso elegante à mostra
Não lembro. Por dentro ou por fora

Por hora, antes, depois, não sei
Eu sei é que no ato de dizer
Senti que era tudo para ver
Ave, veia, vela, avelã, valeu o dia!
Meus deuses ajudaram na poesia
Certa vez eu disse o que foi de fato
Na cidade, como pelo mato
Lenha, cuia, curva, senha, sorver
Fui ao passeio na praça com você
Foi isso que eu disse...

Geslaney Brito
Trama Virtual
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